A Internet e o Mercado Financeiro: Uma Relação de Extremos
O crescimento da Internet e da indústria de tecnologia de uma forma geral nos últimos anos esteve intimamente ligado aos movimentos do mercado financeiro perante este novo setor. E é um relacionamento que até agora vem oscilando entre extremos: vive entre ciclos de ‘boom’s’ eufóricos e depressões profundas, numa gangorra que enriqueceu muitas empresas e indivíduos, e que faliu também muitos outros.
Durante a fase de ‘boom’, como é comum de tempos em tempos, os analistas de mercado financeiro pareciam ter simplesmente descartado todo e qualquer fundamento econômico que costuma pautar decisões de investimento. A quantidade de modelos infundados no qual se investiu milhões de dólares foi impressionante. Não havia uma visão clara do que a Internet realmente significava, dos rumos desta tão aclamada revolução. Não se entendia o que era Internet: Tecnologia? Canal de vendas? Meio de comunicação? E muito menos se entendia sobre como criar modelos com linhas de receita fortes e sustentáveis no médio prazo, especialmente no mercado de ponto-com’s. Mas como todo período de euforia irracional, fortemente ancorado numa mídia espontânea que entendia menos ainda sobre o assunto, o mercado inchou, a bolha cresceu em proporções incríveis, e muita gente, principalmente os especuladores mais experientes, ganhou muito dinheiro.
Em seguida veio o desastre, com o estouro da bolha, primeiro das ponto-com’s, e agora das empresas de tecnologia, como fabricantes de equipamentos e softwares. Apesar de serem fenômenos razoavelmente distintos, ambos tem em comum a questão de desajustes entre expectativas e realidade.
O mercado ponto-com cresceu sem sustentação, sem fundamento, baseado em promessas, muitas das quais que já nasceram intrinsicamente fadadas ao desastre. Quando passou a euforia e os investidores pesadamente comprados em papéis de tecnologia pararam para analisar de onde viriam de fato as receitas que remunerariam estes papéis, o castelo ruiu ante a falta de fundamentos consistentes e a clara dificuldade de se reverter este quadro. Na corrida de venda os valores de mercado atribuídos a uma enorme quantidade de empresas ponto-com despencou numa velocidade frenética, muitas literalmente tendo “virado pó”. Todos nós pudemos acompanhar de perto este processo, e o que vemos agora é uma postura muito mais cautelosa por parte dos investidores. O que é saudável, pois criará uma base de empresas ponto-com, aquelas que prestam serviços via Internet, realmente capazes de sobreviver economicamente, o que é positivo em todos os aspectos: para os clientes, que desfrutam de serviços mais bem estruturados; para os investidores que operam num mercado mais estável; para a força de trabalho que vive em um ambiente menos incerto; enfim, o ajuste deverá criar um ambiente mais fortalecido.
O segundo crash, que teve início no meio do ano passado, e cujos efeitos ainda estamos vivendo agora, é mais complexo, e em parte está fortemente ligado ao movimento que descrevemos anteriormente. Na mesma esteira das ponto-com, as empresas de tecnologia vivenciaram um ‘boom’ impressionante, o que fez com que empresas como Cisco, Microsoft e outras assumissem postos entre as empresas mais valorizadas do mundo. Para estas empresas, receita não era problema. Ancorado na demanda impulsionada pelas ponto-com’s e pelo esforço um tanto confuso das empresas da economia tradicional em acompanhar a revolução tecnológica que se proclamava. Mesmo com a derrocada das ponto-com, o crescimento experimentado pelas empresas de tecnologia se manteve, ancorado por uma adesão cada vez mais acertada e coerente das empresas tradicionais no uso de tecnologias, incluindo softwares, equipamentos, conectividade etc. Todos os olhos, e recursos, dos investidores se voltaram para estas empresas, e o valor de mercado de seus papéis continuou a subir rapidamente, ancorado na expectativa de um contínuo potencial de crescimento. Esta sobre-valorização obviamente gerou uma enorme pressão por resultados e por contínuo crescimento destas empresas. Mas como todo bom “boom”, se me permitem o trocadilho, depois da ascenção sempre vem e a queda, e num mercado tão alavancado o tombo costuma ser mais doloroso.
A euforia, ou o desejo de retornar aos tempos áureos de euforia dos primórdios da Internet, geraram mais uma vez expectativas não fundamentadas entre os analistas, que em parte foram fomentadas pelas próprias empresas, que na ânsia de manter os investidores felizes temiam anúncios de desaceleração de crescimento que pudessem impactar negativamente o crescimento de seus valores no mercado. Um ciclo vicioso míope que tinha morte pré-determinada. Miopia esta que vem custando caro, pois os resultados abaixo das expectativas anunciados por quase todas as organizações vem fazendo o mercado de tecnologia ruir novamente. Ou se ajustar, dependendo da perspectiva.
O fato é que todos esses extremos estão ancorados em uma incrível irracionalidade que parece ter se espalhado entre investidores, empreendores, executivos e claro, os malandros que vivem a espera destas oportunidades douradas de ganhar o tão buscado “quick buck”. O crescimento desenfreado certamente não se justificava do ponto de vista puramente econômico, e foi impulsionado pelo componente psicológico que verdadeiramente impacta nos movimentos de novos mercados que começam a chamar a atenção de tantos investidores. E a dureza do ajuste atual por outro lado também não se justifica, uma vez que estamos falando não em queda de faturamento mas em desaceleração do crescimento na maioria dos casos. Não em déficits operacionais crônicos mas muitas vezes em empresas com caixas que sob qualquer ótica são extremamente saudáveis. Infelizmente existem esses momentos em que todos parecem se tornar reféns desta irracionalidade coletiva, e aí começam os paleativos que visam acalmar os mercados financeiros: corte de pessoal, redução de investimentos e outras pestes que vêm assolando o setor e sobre os quais podemos ler todos os dias nos jornais e revistas, que como sempre parecem se alimentar e em seguida retro-alimentar a histeria coletiva.
Esperemos que em breve a turbulência emocional pare, e o relacionamento entre o setor de tecnologia com um todo e o mercado financeiro ( e na medida do possível a imprensa) volte a ser tranquilo e ancorado na racionalidade que deve reger qualquer relação econômica.
Daniel B. Carneiro da Cunha – Consultor Associado da DealMaker (www.dealmaker.com.br)
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