Cliente satisfeito é amigo do peito
Era uma extração em série. Verdadeira linha de desmontagem de dentes brancos das mais variadas cores. Desde amarelo-nicotina até preto-cárie. Cor predileta de Henry Ford, criador da linha de montagem. Que quando indagado se havia alguma proibição para seus carros serem de outra cor, respondia: “Os carros podem ser produzidos em qualquer cor, desde que sejam pretos”.Na aula prática da faculdade de odontologia, meu amigo fazia parte dos discípulos de Tiradentes. E aprendia a técnica colonial de se extrair o mal pela raiz. As cobaias, apelidadas de pacientes, eram pessoas que não podiam ou não queriam pagar por uma extração privada. Sobrava aquela alternativa. Mais pública, porém mais grátis que a privada.Na sala cor marfim, uma fileira de poltronas trêmulas sustentavam pacientes boquiabertos com o palavreado “dos doutor”. Qualquer linguagem produzida na “Área de Broca” do cérebro de professores e alunos tinha som de broca na compreensão dos pacientes. O abismo de comunicação ali só não era maior que as cáries. Verdadeiras cavernas onde ecoava a dor.A falta de uma comunicação clara é a principal razão do isolamento de algumas empresas. Só são achadas pelos credores. Mas mesmo quando encontradas, lhes falta saliva para informar, encantar, explicar e gerar uma ação da parte dos clientes. E o problema começa dentro. Pergunte aos seus funcionários o que sua empresa faz. Não sabem? Então nem perca tempo em perguntar ao mercado. Como sairia da boca a palavra que não existe na garganta?Há empresas que usam uma linguagem carregada de tecnicismos para impressionar o cliente. E impressionam. Divirto-me nas feiras de tecnologia, cheias de clientes impressionados. Com sacolas derramando prospectos criptografados, só decifráveis pelos concorrentes. Que também se esforçam para explicar como fazem, sem dizer o quê, para clientes que passam incólumes, vão embora potenciais, e permanecem virgens de qualquer influência. Mas impressionados. O problema ocorre porque falamos do que gostamos de falar, não do que o cliente gostaria de ouvir. Despejamos informação, quando deveríamos criar comunicação. Aquela de mão dupla, que só começa quando completada a conexão. Antes disso não passa de informação à disposição. Como santinho em mão de boca de urna de partido ruim. Ninguém pega.Há empresas que conversam com o mercado em linguagem de advogado. Com rodeios, palavras difíceis e termos técnicos. Parecem gostar de manter o cliente na posição de demente. Com discursos que sublinham a ignorância, gostam de manter distância. Mas cliente à distância não é cliente. É consumidor. Cliente, com ente maiúsculo e que vive satisfeito, é aquele tratado como amigo do peito. Veja a evolução da tecnologia da comunicação. Começou no tête-à- tête do contato pessoal. Depois gritaram de longe, bateram tambores e fizeram sinais de fumaça. Num dia de chuva, alguém decidiu transformar a linguagem em símbolos. Surgiu a escrita. Durante séculos foi a única forma de comunicação à distância, até a invenção do extrato de tomate.Pelo menos era essa a minha idéia quando criança, já que meus telefones de barbante eram feitos com as latinhas de extrato de tomate Elefante. Porém descobri que Graham Bell já tinha criado algo mais eficiente, retornando o contato pessoal ao tête-à-tête. Era a tecnologia trazendo a boca de volta para junto do ouvido. E aproximando pessoas. Mas a tecnologia só aproxima. Cabe à empresa criar um discurso bem mastigado para seu mercado. Principalmente se o cliente não puder mastigar. Como aquela senhora, com duas mãos dentro de sua boca e sem entender o que “os doutor” falavam. E pensar que ela havia entrado ali só para “distrair o dente do cisne”! O professor procurou acalmá-la, explicando que as radiografias periapicais mostravam uma área radiopaca na região do terceiro molar, que tinha raízes volumosas abraçando o osso interradicular. Mas tudo seria feito sem causar a invasão da tuberosidade pelo antro, ou uma comunicação oro-antral com rotura dos vasos palatinos. A paciente ficou mais tranqüila. Enquanto trabalhava, meu amigo procurava manter o rosto longe da boca da mulher. Não por força do hábito, mas por força do hálito. Sob a vigilância constante do professor, que o admoestava a ter cuidado e não deixar o dente cair no seio maxilar. A paciente escutou e não titubeou. Isso ela entendeu. E com um movimento brusco, fechou o decote. Mario Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Veja em www.mariopersona.com.br
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